quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Jornalista de Petrolina desabafa: "Lutar pela flor para que não nos arranquem a voz"


É sabido por todos que temos vivido, em Petrolina, um momento delicado no que diz respeito à atuação da imprensa e seus preceitos democráticos da liberdade de expressão.
Temos, há algum tempo, trabalhado sobre um campo minado no qual, a qualquer momento, jornalistas, radialistas, blogueiros podem receber processos judiciais por terem desagrado no que disseram, no que escreveram.
E foi nesse contexto de desafio e afronta à liberdade de expressão, sobretudo pelas dezenas de processos que ora enfrentamos – o Blogfolha, Folha do São Francisco e o Blog de Carlos Britto -, que a imprensa resolveu se reunir e unir-se em torno da luta pela ampla liberdade de expressão garantida pela Constituição em nosso estado de direito democrático.
Reunimo-nos e decidimos que lutaríamos juntos para garantir, em Petrolina e no Vale do São Francisco, tal direito.
Iniciamos, portanto, com essa junção relevante e histórica no Vale, a campanha democrática e conseguimos adesão de muitas pessoas de vários lugares – desde a imprensa de Pernambuco até de jornalistas de outras partes do país.
Em meio a essa articulação, foi-nos proposto que iniciássemos um diálogo com as partes, de modo a buscarmos um entendimento, no qual os desagrados fossem postos à mesa da negociação.
Aceitamos a proposta de trégua e,como deve ter sido perceptível aos olhos e ouvidos da população do Vale do São Francisco, passamos alguns dias sem promover o debate público, dedicando-nos aos diálogos – com o absoluto respaldo de todos os membros da imprensa que se uniram em torno dessa luta.
Em princípio, desejo agradecer muito sinceramente aos intercessores em todo o processo de negociação.
Foi, realmente, uma honra termos pessoas- de tão grande importância para a história de Petrolina e de todo o Vale do São Francisco- empenhadas em buscar o diálogo e em selar a paz, nesse momento em que os ânimos excederam o entendimento da lógica e da legalidade constitucional democrática.
Efetivamente, foram dias de intensas tentativas de negociação dessas pessoas para que os processos judiciais contra os jornalistas fossem retirados.
E a coisa parecia avançar muito bem.
No entanto, ao chegarmos ao momento final, poucas horas antes de enfrentarmos mais uma audiência judicial (visto que já vivemos algumas nas quais fomos condenados a retirar matéria do ar e também a pagar indenizações), ficamos sabendo que a decisão do grupo que pertence ao governo municipal que nos processou pela matéria postada em abril deste ano, a qual tratava de  “O Ministério Público Federal investiga permuta irregular de terreno da União possivelmente realizada sem o devido procedimento licitatório” seria a retirada dos processos apenas do Blogfolha, Folha do São Francisco e Vera Lúcia Medeiros.
Com relação a Carlos Britto e Plena Comunicações – também processados por ter Britto transcrito a matéria do Blogfolha – a informação é que não haveria acordo para a retirada de processos.
Percebendo a incoerência na decisão final, recusei-me absoluta e imediatamente a protocolar qualquer espécie de acordo que livrasse somente a mim, Vera Lúcia Medeiros, dessa luta judicial, deixando o colega Carlos Britto sozinho na batalha.
Seria absurdo e nada ético permitir que, por ter reproduzido uma matéria que eu publiquei, Britto passasse a ser execrado, enquanto eu fosse liberada dos processos.
Some-se a isso o fato de a própria Justiça, através do juiz Iure Pedroza Menezes, ter tomado a “Decisão Interlocutória”, baseada no artigo 113 do Código Civil com relação aos processos. Tal decisão quer dizer que, sendo todas as ações geradas de uma mesma causa,serão todas julgadas juntas.
Portanto, mostra-se contraditório que a Justiça julgue igual aquilo que querem acordar de forma diferente.
A decisão que tomei em não aceitar o acordo não diz respeito a qualquer fato de ordem pessoal, política ou qualquer que desejem argumentar  fora daquilo que pleiteamos com a união da imprensa do Vale do São Francisco – que é a legitimidade da nossa liberdade de expressão, a legitimidade do respeito ao nosso trabalho e ao nosso compromisso com a sociedade.
Tenho certeza de que qualquer outro colega da imprensa teria essa atitude ante o que foi exposto.
Desejo, aqui, reiterar os versos de Eduardo Alves da Costa, em seu poema “No Caminho, com Maiakovski”,escrito nos anos de ditadura militar no Brasil:
“Na primeira noite, eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
Assim, fica evidente que não podemos abrir mão de lutar pela unidade nesse processo democrático pelo qual muitos deram suas vidas, na história deste país.
Se nos acovardarmos em lutar pela flor, é certo que, a qualquer momento, podem nos arrancar a voz da garganta. E daí, como diz  poeta, já não poderemos dizer mais nada.
Por: Vera Lúcia Medeiros
Trecho do documento da tentativa de conciliação:
Documento da Decisão Interlocutória:

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